domingo, 31 de agosto de 2008

Agosto, mês do desgosto

Eis que surge Agosto. O mês, por si, me mete medo. É cinza, feio, frio, demorado, estou no meu inferno astral... enfim, me desespera mesmo!
Este, desde que eu me lembro, foi o pior deles. Tudo começou com o desemprego e a alegria que ele te propicia quando você fica julho inteiro de férias. O ponto é: julho de folga, baladeando como se amanhã não houvesse e chega o fim do dinheiro (junto com o começo do mês medonho).
Um pouco após isso, fui com alguns amigos ao sítio de uma outra amiga fazer a grande festa junina - que acontece em agosto, já que o calendário é uma invenção para burocratizar a vida. O mote da viagem, como não temos lá grandes devoções católicas, era, na verdade, um grande "vamos encher a cara em meio à paisagem bucólica de Piedade".
Enchemos. E o fizemos com cateoria. Bebemos cântaros, baldes, barris, iguaçus (obrigado Saramago pela graduação estilosa) de tudo o que aparecia pela frente, já que não somos seletivos nem um pouco.
Cá voltando ao Planalto de Piratininga, me vejo vítima de uma dessas amebas que nos fazem lembrar sempre que temer protozoários é prudência nessa vida. Desaguava em níveis que nem o próprio Saramago conseguiria graduar. Desidratação, sofrimento, medo de pum (quem nunca teve medo de pum na vida?). Até aí, ótimo. Médico, líquidos, maizena - muita maizena -, chá de folha de goiaba - muito chá -, remédios e a grande sorte de não precisar ir trabalhar.
O problema é que agosto conspira. Eis que dois dias depois de voltar e ainda doente, fui tomar banho (tomei banho nos outros dias também, antes que venham prevaricar com o bom nome de minha ilibada higiene). Como eu dizia, fui tomar banho e eis que estava lá, com suas oito repulsivas patas de artrópode aracnídeo que é, um carrapato. Sabe, eu estava fragilizado, sofrendo, sem garantias para o amanhã, tinha amebíase, não tinha emprego, tinha carrapatos... o que me faltava?
Há perguntas que não se faz em horas erradas, há outras que não e faz nunca, mas absolutamente não se pergunta nada em agosto! Eu perguntei, ato contínuo, deus respondeu: "Cobreiro, coração. Você precisa de um cobreiro." E ele veio. Tive um belo cobreiro, pegavas metade das costas, coçava horrores, ardia e demorou a passar. Conclusão: toneladas de violeta genciana e a alegria de roxo ser tendência no inverno.
Veio meu aniversário, passou meu aniversário e, no dia seguinte, abro belo e formoso a janela de meu quarto, crente de que se foi o inferno astral. Lá estava eu subestimando o poder de agosto. Abro janela e, no momento mesmo, minha alcova é invadida por um mundo de marimbondos. Sim, marimbondos! Eles resolveram mudar para o beiral em cima da minha janela!
De lá para cá, foi só sofrer: brigas, ex pentelho pentelhando, tristezas e agrúrias.
A agosto, nos resta usá-lo como comparativo negativo para a vida. Tá ruim? Pensa em agosto. Tá triste? Pensa em agosto. A terra foi invadida por áliens? Pensa em agosto.
Por sorte, o mês terminou. Agora vem um setembro primaveril e feliz e, antes que agosto resolva usar as 5 horas que lhe sobram para azedar minha vida ainda mais, vou me pôr em posição fetal na cama e só levanto mês que vem!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eu vi o Tarzan subindo a Augusta

Porque na Augusta tudo é possível. E descê-la de busão todas as manhãs é sem dúvida uma aventura diária. Eis que, nessa ensolarada e fria manhã do inverno-verão paulistano, descia eu, embalada pelos solavancos do coletivo, quando vejo subir, em vigorosa corrida, ele: longas madeixas louras desgrenhadas, usando nada mais que um shortinho laranja, tênis, e meias da mesma cor. Porque Tarzan também sabe combinar. E, tendo um semáforo providencialmente interrompido minha trajetória ladeira abaixo, pude comprovar: quem, a não ser o rei das selvas, teria o despudor de plantar bananeira na muretinha do Bradesco? (me ocorreu o Diego Hipólito de peruca, mas taí uma coisa que eu, ainda mais na Augusta, não vou querer encontrar)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Viva el huevo frito!

Se as coisas por aqui na terrinha estão meio paradas (ou os blogueiros brazucas andam meio sem inspiração), a Espanha continua dominando o Ovo Frito como fonte inesgotável de bizarrice e alegria. Eu não resisti e pedi para uma amiga minha, a Ana Amélia, escrever uma história que ela me contou sobre a sua temporada além-mar. Ei-la!


Minha pátria, minha língua. Salva pela Bethânia!

Sabe, todo meio intelectual - meio de esquerda tem alguma desventura no velho mundo para contar. Eu, mesmo não sendo nem meio intelectual nem meio de esquerda (talvez um pouco, vai) também tenho. Inspirada nos relatos da correspondente do ovo frito na península, e incentivada pela mari marchesi, resolvi compartilhar com vocês uma dessas situações que entram para o rol de histórias bizarras repetidas muitas vezes à exaustão em uma mesa de bar, de um bar ruim, de preferência. São duas, e ambas estão relacionadas à diáspora brasileira pelo mundo e têm uma linha bastante tragicômica.

Vamos a ver, a primeira delas se passa em madrid, minha terra natal em alguma outra encarnação, seguramente. Lá a profusão de brasileiros vem aumentando vertiginosamente nos últimos anos, alcançando status de notícia até nos jornais gratuitos do metrô. Pois bem, cansada e enjoada do jamón ibérico e papas bravas aceitei o convite do meu namorado, britânico, para jantar num restaurante grego supostamente autêntico. O recinto fica localizado no bairro de malasaña, bastante conhecido por atrair toda a sorte de notívagos. Assim, chegamos. Era uma bela tarde de verão e fomos recepcionados por Eros. Eros, como não podia deixar de ser, estava vestido a caráter. Nosso deus grego nos recebeu com muita simpatia e nos levou à mesa. Estranhamos, afinal de contas os espanhóis não são muito conhecidos pela sua simpatia. Além disso, seu sotaque nos intrigou. Não era grego, não que soubéssemos muito bem como os gregos falam espanhol, mas percebemos certa familiaridade meio indecifrável. Escolhemos nossos pratos, tarefa difícil no meio de tantas boas opções. Eis que chega um momento que Eros anuncia que irá cantar uma canção para nos entreter a todos os comensais. Entreolhamos-nos, curiosos para ouvir uma canção grega típica. Nada mais lógico, afinal estávamos num restaurante grego típico. Resulta que, já nos primeiros acordes, antes do deus grego soltar a sua divina voz, reconheço a canção, mas pensei: não pode ser, já que não conheço músicas gregas. Intrigada, esperei apreensiva os segundos seguintes quando Eros solta maria bethânia. Tá, sei para o clima do relato seria melhor lembrar qual música da bethânia, mas confesso que o êxtase foi tal que não me recordo. A emoção era tamanha que causou constrangimento nos meus vizinhos de mesa. Meu namorado, britânico, repito, por não compartilhar do mesmo repertório, me olhava com estranheza. Ao final da apresentação, chamo Eros e lhe pergunto: de dónde eres? Eros, constrangido por tamanha indelicadeza retruca: de una isla griega llamada brasil. Ah, foi o auge! Pior que cantar maria bethânia em restaurante grego supostamente típico, Eros, visivelmente perturbado com a revelação da sua verdade identidade, me dá um sorriso amarelo ao saber que éramos conterrâneos...

A segunda foi há mais tempo. Indo visitar um amigo em paris, me deparo perdida e sem celular e sem cartão telefônico. Por uma peça daquelas, a estação de metrô em que deveria descer para encontrá-lo estava em reforma e ele, claro, esqueceu de me avisar. Assim, fui obrigada a descer na estação seguinte. Até ai, tudo bem, mas as instruções que eu tinha para chegar ao apartamento não mais correspondiam à minha realidade geográfica. Respiro fundo, vamos lá. Meu parco francês não me levaria muito longe. Arrisco no inglês, mas sou elegantemente ignorada pelos floristas, jornaleiros, donos de bares e afins. No ápice da tensão, apelo para os passantes. Todos muito apressados não me davam a menor pelota. Até que vejo saindo da estação do metrô uma senhora levando uma criança pela mão. Alvo fácil. Aproximo-me assertivamente. E, sem titubear, peço informação. Ela, em seguida, me pergunta: where are you from? Num primeiro, segundo pensei em inventar que era russa, sei lá, bobagem de brasileiro que acha que é sempre mal-tratado. Resolvi ser honesta e dizer, sou brasileira, por quê? Foi a minha sorte, a simpática senhora era portuguesa, com certeza. Não só me indicou a rua, como me emprestou seu portable para tentar localizar meu amigo fujão. Sem sucesso, caixa postal. À porta do prédio, dei-lhe um forte abraço, agradeci de todos os modos que podia, e entrei porque tinha o código do edifico. Na França eles fazem isso, inventam esses códigos secretos para entrar, mas tudo mundo sabe, inclusive eu. Isso ele lembrou de me avisar, mas esqueceu de dizer o número do apartamento. Entrei. Prédio sinistro. Escuro e com escada que range. Desorientada, me sento para esperar meu anfitrião dar o ar da graça. De repente, mais uma vez, ela chega: maria bethânia. Era um som distante, abafado, quase inaudível. Decido segui-la. Lentamente, vou subindo as escadas. Qualquer barulho poderá assustá-la. Chego a uma porta. O som parece vir de lá. Ai, o que fazer? Bato. Escuto passos, a porta se abre. Uma moça sorridente me diz: você é Ana? Atônita, respondo um sim mudo. Ela me abraça e diz, o JP me disse que você chegaria. Entra! Daqui a pouco ele está aqui. Quer um copo de água? É, Bethânia, te devo essa!

Ana Amélia A. Serra.